Pouco discutido no Brasil atualmente, o "offshore farming", ou aluguel de terras agricultáveis para estrangeiros, é um tema polêmico, pois envolve questões de soberania e também afeta diretamente as empresas do setor, que respondem por boa parte do PIB (Produto Interno Bruto) nacional. Mas esse tipo de operação poderá ter frutos bastante positivos para o país se o governo se apressar a debatê-la, defende Dung Nguyen, professor da Universidade de Pittsburgh e especialista no assunto.
"As pressões sobre os preços dos alimentos devem continuar nos próximos anos, e o apetite por áreas férteis tende a crescer na mesma proporção. Por isso, o Brasil precisa estabelecer uma política a respeito", disse o estudioso à Folha durante sua passagem pelo país, no final de semana, para ministrar aulas no curso Executive MBA realizado pela sua universidade.
China, Japão, Coreia do Sul, Emirados Árabes e Arábia Saudita, países que lideram o movimento mundial de "offshore farming", têm o Brasil e a África como alvos principais das suas agressivas estratégias de aquisição de hectares. O objetivo é garantir uma oferta barata de alimento a sua população -atualmente, tais nações têm poucas terras disponíveis para a agricultura, seja pela qualidade do solo, seja pelo grau de ocupação do seu território- e participar das pesquisas e da produção de biocombustíveis.
Grãos como soja, milho e arroz e cereais são as principais culturas que tais nações pretendem explorar, além da cana-de-açúcar e outros vegetais que mostrem ter potencial para gerar energia no futuro.
Nos meses que antecederam ao agravamento da crise econômica global, que teve seu marco em setembro de 2008, o mundo assistiu a uma escalada sem precedentes dos preços das commodities agrícolas, e nenhuma nação quer ficar refém de um pequeno grupo de produtores de alimentos como o são dos que extraem petróleo.
Especialistas e produtores brasileiros observam que o interesse internacional por áreas produtivas no país não é exatamente novo, mas só faz crescer: a estimativa é que, atualmente, estrangeiros sejam proprietários de algo como 35 mil a 40 mil imóveis rurais no Brasil. No entanto, a falta de uma legislação específica gera insegurança tanto nos investidores que vêm de fora como nos fazendeiros locais.
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Além de responder a questões importantes como as ambientais e as relativas à utilização dos recursos naturais do país, para o professor Nguyen, é preciso que o governo crie uma forma de transformar os rendimentos advindos da venda ou do aluguel de hectares em um projeto de desenvolvimento nacional com foco nos habitantes das zonas rurais.
"No encaminhamento dado a essa questão até agora, está faltando o elo entre o ingresso do dinheiro e como o Brasil vai aproveitá-lo. Creio que a solução dessa dificuldade passa pela reforma agrária, de forma que os mais pobres recebessem uma parte dos investimentos", propõe. Outra ideia pode ser a criação de um fundo para recolher uma parcela do dinheiro e distribui-la entre todas as regiões em iniciativas públicas.
Não que os agricultores brasileiros não tenham tecnologia suficiente para abastecer o mercado consumidor interno ou que a oferta de alimentos esteja abaixo da demanda, porém, considerando que há regiões onde os moradores não conseguem fazer refeições decentes diariamente, os estrangeiros ainda podem reservar uma parte da sua produção para vender à população local. Esta é uma medida que beneficia o país, na avaliação do estudioso. E que evita desconfortos políticos, na interpretação dos empresários estrangeiros.
Fonte: Folha de S.Paulo