Solitários pagam até R$ 300 para ter Amigos

Jornal Folha de São Paulo

 

Atividade não tem cunho psicológico ou sexual,afirmam os "personal friends"

 

        Atenção você, leitor,que sofre com a falta de "amigos, desses que olham nos olhos e falam com sinceridade", não fique assim pra baixo: seu problema pode estar resolvido.

        O mercado de babá de luxo acaba de acrescentar a seu crescente leque de ofertas o assim chamado "personal friend". Trata-se de um especialista em amizade profissional, que cobra por hora, para ser seu amigo, conversar com você e acompanhá-lo em voltinhas pelo shopping center ou, tomando uma água de coco.

        Os psicólogos não precisam se sentir ameaçados. O novo profissional faz questão de esclarecer que não tem a menor intenção de ser terapeuta. Disponibiliza apenas amizade.

        Chamando-se em inglês, seu amigo pessoal pode parecer um emergente,mas calma,a profissão é nova mesmo. Os entrevistados começaram no ramo a menos de um ano e, segundo dizem, estão com a agenda lotada. Ah, importante: o serviço acaba na amizade, descartando-se, portanto, qualquer proposta de cunho sexual. Que tal? Sorriu? Então aí vão os detalhes: o amigo pessoal por dinheiro cobra uma taxa que pode variar de R$ 50 a R$ 300; em geral prefere trabalhar em lugares públicos e não tem restrições quanto á faixa etária.

         Já há pelo menos três precursores no ramo oferecendo seus serviços na Internet. Um em São Paulo, dois no Rio. Apenas um não quis conversar com a reportagem, alegando que se considera muito novo na área para dar depoimentos.

         Em experiências pregressas, o profissional da amizade em geral teve "contato com gente" e descobriu um talento inato para "falar".

        Seria, traduzindo livremente o termo inglês, um conversador..Tomemos o caso do estudante de direito Ivo Matos,31. Até chegar a conclusão de que poderia cobrar para ser amigo de pessoas com dificuldades de relacionamento, ele acumulou um currículo, bastante razoável: foi moto boy, manobrista, auxiliar de lava-rapido e garoto Mc Donald's.

        Matos descobriu que poderia desenvolver sua aptidão ao fazer um trabalho para a faculdade no qual "abordava o Brasil como um pais bastante tolerante". "Aqui vivem pessoas de todos os povos, raças, credos, mas nem sempre esses grupos se relacionam bem. Trabalhei com marketing multinível e precisei fazer palestras, convencer pessoas a comprar determinados produtos. Aquilo não era nada mais que uma lavagem cerebral. Descobri em mim um talento especial nessa área", conta ele, que cobra R$ 50,00 pela hora da amizade.

         O estudante é criativo, mas não pode ser considerado o inventor do termo "personal friend" - nem da nova profissão no Brasil. Há apenas três meses atuando no mercado, ele teria de disputar os royalties com os outros profissionais da amizade pessoal - todos com páginas na internet.

        Um deles é o palestrante Silvério Veloso, 42, que atua desde março no Rio e se surpreendeu quando soube da existência de Matos : "Não sabia que havia mais gente desenvolvendo a atividade", diz Veloso, com  forte sotaque carioca." . Nunca pretendi patentear o termo, não me considero seu criador. Apenas percebi uma lacuna no mercado e fui atrás.

        Ele diz cobrar R$ 300 a hora ("preço de Rio de Janeiro") e ter cerca de 50 clientes cadastrados, "por vota de metade disso ainda ativos".

        Como Matos, Veloso também tem currículo variado: ele se apresenta como "ex-empresário da área de Mineração em um negocio familiar e também professor formado em Educação Física". "Quando nossa família vendeu a empresa, resolvi transmitir meu conhecimento dando palestras [em uma faculdade de Barra Mansa,interior do Rio]. Percebi que havia uma demanda grande na área de associativismo e empreendedorismo como sustentabilidade para empresas", explica.

        Diz ele que o que mais o interessa são as palestras, "até pelo lado financeiro, que é muito mais vantajoso". "A palestra é o acompanhamento como 'personal friend'  funcionam em dobradinha. Ao fim da apresentação, quem assiste me procura para conversar e acaba desabafando sobre suas dificuldades no trabalho", explica.

        Acima de tudo, acredita Veloso, "as pessoas precisam ser ouvidas" : " A gente vê diversos livros abordando o tema de forma técnica,mas é comportamental", ensina.

        Apesar de seus talentos apaziguadores, faz questão de esclarecer que não tem formação em psicologia ou qualquer cadeira ligada ao relacionamento pessoal - Matos idem.

        Eles são especialistas, digamos, inatos, em amizade. Mas o ex-empresario oferece acompanhamento em sessões individuais e em grupos.

        Um de seus clientes é o Volta Redonda Futebol Clube, onde ele aplica o que chama de " personal friend coorporativo" : " Como tem o  curso de Educação Física e acumulei experiência em Gestão Corporativa, falo a língua dos jogadores de futebol e também a da Diretoria do clube. Costumo dizer que funciono como um ouvido que percorre a empresa e informa as necessidades dos funcionários  a seus dirigentes", explica.

 

 

Ombro amigo

 

         O "persoanl friend " de  numero três, que também usa termo para se classificar no Orkut, respondeu à reportagem que ainda não tem cabedal suficiente na área para conceder entrevistas.

         "Estou na atividade a muito pouco tempo, não poderia contribuir com a reportagem", decide Welington Alves,47, conterrâneo de Silvério Veloso.

         Diz ele no Orkut : "Se você é do Rio de Janeiro, capital, se sente só e não possui pessoas que possam ser classificadas de verdadeiros (as) amigos (a) e precisa de um ombro amigo, um confidente ou um acompanhante para conversar ou desabafar, veio ao lugar certo .O serviço não é gratuito e é pré-agendado". Não informa o preço.

         Antes que alguém "confunda tudo", Alves faz questão de esclarecer: "Não procuro relacionamentos amorosos ou sexo. Nem sou homossexual (sic). Portanto, se não precisa do serviço oferecido aqui, não insista nem me incomode".

         Ivo Matos e Silvério Veloso também se apressam a desencorajar clientes com segundas intenções. "Apresento-me como acompanhante, um termo que pode ter uma conotação sexual, mas, já ao telefone, informo que não trabalho com contato físico", diz Matos.

         "É comum confundirem, já recebi propostas até de gente famosa, mas meu trabalho não tem nada a ver com atendimento sexual. Coloco  meu  currículo na internet para dar, inclusive, credibilidade ao meu projeto", afirma Veloso.

         Mas, afinal que tipo de pessoa precisa de um amigo a ponto de pagar por um?

         Matos afirma que seus (cinco) clientes se sentem constrangidos em dizer que precisam dele (ou dos serviços que oferece). Ocupadíssimo, informa que esta com a agenda toda tomada e quase não encontra um horário para conversar. Momentos depois liga para dizer que pode marcar o encontro para dali a 45 minutos.

        Mais prestimoso, Veloso afirma que sim, a reportagem pode entrevistar "um cliente que já está até avisado": Trata-se de um jornalista da mesma cidade de Veloso (Barra Mansa), que o teria procurado depois de uma palestra, "por causa do lado profissional". Mas, como é casado e sua família mora no interior, por vezes a distancia "atrapalha emocionalmente".

        Não acha caro pagar R$300? "Olha, eu penso assim: se atende meus objetivos, o preço é justo", diz Marcos Rosas, 50.

        A abordagem dos amigos pessoais por dinheiro, é semelhante: em geral fazem o primeiro contato por telefone, preferem trabalhar em lugares públicos e marcar o acompanhamento durante a semana.

        No primeiro encontro, Matos tira da pasta uma folha de papel e pede ao cliente para preenchê-la: nome, telefone, e-mail. Em seguida, há uma lista de "tipos de relacionamento" a serem avaliados: pessoal, amizade em família, profissional, afetivo, lazer, finanças, "vc c/ vc" (você com você).

         "Percebi que, como as pessoas vivem cada vez mais para o trabalho, a prioridade é se encaixar no perfil da empresa. É comum esquecer-se da própria essência", acredita.

         Silvério Veloso diz que raramente trabalha "indoors" (em ambiente fechado). Como "personal friend", seu melhor palanque é o calçadão.

         "Costumo dizer que trabalho com a força da natureza. Não tem como ficar de baixo astral com aquele pôr-do-sol da Barra [da Tijuca, onde mora]."

         Como a atividade prescinde de diploma, os " personal friend" preferem adotar a tática da humanidade a assumir qualquer responsabilidade que possa metê-los em encrenca no futuro.Por via das duvidas, costumam afirmar que não são especialistas em nada.

         "Sou um gestor de conflitos",afirma, vagamente,Veloso.

          E Matos : "Minha namorada diz  que tenho perfil para fazer palestras de motivação. Acontece que,se juntam três pessoas, já fico vermelho. Dou meu recado,mas não tenho bagagem nenhuma, sou simplesmente estudante de direito".      

 

      

 

 

Paulo Sampaio

Da Reportagem Local